terça-feira, março 24, 2009

Falta Homem no Mercado?

Muitas amigas minhas reclamam que falta homem. Muitos amigos meus comentam que as mulheres estão indo mais a luta que no passado. Impressão ou realidade?

A pergunta que vem à cabeça: será que existe um desequilíbrio entre as populações masculina e feminina? Eu tentei respondê-la testando, com números reais ou bons chutes, algumas teorias...

Visão 1: existem muito mais mulheres que homens

(Algumas considerações sobre este tipo de análise: nascem mais homens do que mulheres - é verdade - entretanto, a taxa de mortalidade masculina - ao longo de toda a vida - é maior. Com os dados do senso de 2000 da população urbana do estado de São Paulo: entre 0 e 4 anos, existe 0,97 mulher para cada homem, entre 13 e 15 anos esse número se aproxima de 1 para 1. Aos 35, existem 1,08 mulheres para cada homem, acima de 60 anos, 1,32 para cada um.)

Estou lidando com a minha realidade: usando os dados do censo de 2000 das pessoas entre 10 e 24 anos, lembrando que hoje estas pessoas têm entre 19 e 33 anos (tenho 26). Existem um problema com a conta que estou fazendo: sei que nesses 9 anos morreram mais homens que mulheres - dentro desta amostra - mas não estou fazendo nenhum ajuste. Nesta população existe 1,0034 mulher para cada homem, ou seja: para cada 10.000 homens há 10.034 mulheres. 

A diferença é nula. A "visão 1" foi um grande fracasso.

Visão 2: o número de homossexuais desbalanceia a proporção

Mas talvez não devamos procurar a desproporção nos números simples de homens e mulheres, e sim apenas na população heterossexual. Não tirei isso da minha cabeça: ouço muitas amigas minhas dizendo, em tom de brincadeira, que "tem tanto gay que falta homem".
(Nota: não tenho nada contra a opção sexual de ninguém. Minha intenção aqui é unicamente verificar se existe um desbalanço entre a quantidade de homens e mulheres que buscam relacionamentos heterossexuais).

Achei duas estatísticas soltas para o Brasil: uma na IstoÉ, dizendo que 10% dos brasileiros são homossexuais¹ e outra - num artigo da Igreja Renascer - dizendo que apenas 0,5% dos assassinados são gays. (A segunda na íntegra: "... movimento gay declara que o número de homossexuais na população brasileira atinge o percentual de 10%, enquanto que o percentual de assassinatos [de homossexuais] atinge menos de 0,5 por cento [do total de assassinatos]."²).

Honestamente: a divergência entre os dois números é muito alta, não sei como perguntam aos mortos quais suas preferências sexuais e a IstoÉ pode ter acreditado num número gigante pois sua reportagem talvez quisesse fazer um oba-oba com o crescimento de serviços focados neste público. Os números não são críveis.

Procurei números para os EUA e outros lugares do mundo³. Algumas coisas interessantes: há mais homossexuais nas grandes metrópoles (chegando a 15% em São Francisco, 6% em Nova York), a média nacional (dos EUA) girando em torno de 4% (os números divergem muito, acreditei nesse). Vamos trabalhar com algo entre 6 e 8% para a cidade de São Paulo (não! não há fonte! é um chute! mas pelo menos houve um ponto de partida!).

Bom: se 7% dos homens e 7% das mulheres forem homossexuais, a proporção (entre heteros) continua em 1 para 1. Só há efeito se o número de gays for maior que o de lésbicas. Apesar disso fazer certo sentido na minha cabeça, vou procurar algum número. Naquela fonte número 3, há os seguintes dados soltos:
- Austrália, 2003: 1,6% dos homens são gays e 0,8% das mulheres são lésbicas (2 x 1);
- Canadá, 2003: 1,3% gays, 0,7% lésbicas (quase 2 x 1), notadamente, havia mais mulheres bissexuais (0,7% dos homens x 0,9% das mulheres - mas acho que isso é assunto pra outro post).

Gostei desses números porque tratam de pessoas que se definiram como gays ou lésbicas (os números de pessoas que "tiveram uma experiência" são bem mais voláteis). Vou adotar esse 2 x 1.

Vamos então fazer a conta de proporção com 7% de homossexuais e 2 vezes mais gays que lésbicas. Estamos falando em 9,3% dos homens e 4,7% das mulheres. Com esses números, a proporção (entre heterossexuais) passa para 1,06 mulheres para cada homem, ou seja, para cada 10 mil homens existem 10.551 mulheres. Se a proporção de homossexuais na cidade de São Paulo for 10% (mantendo os 2 x 1), teremos 1,08 mulheres para cada homem: 10.800 mulheres para cada 10 mil homens.


Os dados da Visão 2 mostram que existe impacto, mas não é aquele impacto significativo que procurávamos (a não ser que você ache que São Paulo é como São Francisco! Teríamos 1,13 mulheres para cada homem: 11.300 mulheres para 10 mil homens!).

Visão 3: mulheres gostam de caras mais endinheirados

Consigo imaginar os narizes torcidos de minhas leitoras (se é que tenho leitoras...). Entretanto, minha idéia não foi tirada apenas do cancioneiro popular. Achei rapidamente pelo menos uma pesquisa (meio fajuta, é verdade) comprovando isso:

Os dados de participação das classes sociais na população do Brasil que achei separam a amostra apenas em classe AB, C e DE, mas creio que para nosso ensaio isso é mais que o suficiente. Notadamente: http://www.tudonahora.com/noticia.php?noticia=11045

Bom, se isto for verdade, poderíamos imaginar a seguinte situação:
- Mulheres da classe AB consideram apenas homens da classe AB como possíveis parceiros.
- Mulheres da classe C consideram apenas homens da classe A, B e C como possíveis parceiros.
- Homens da classe AB consideram como possíveis parceiras, mulheres das classes A, B e C.
- Homens da classe C consideram como possíveis parceiras, mulheres das classes C, D e E.

Há um fator importante que está destacado na notícia: a classe C cresdeu de 36% para 46% em um intervalo curto de tempo. No mesmo período, o tamanho da classe AB caiu de 18% para 15% da população. Isso faz com que esse indicador tenha acelerado seu impacto na nossa análise, potencialmente criando a sensação (entre as mulheres) de aumento da falta de homens. Vamos aos números:
- Assumindo que os homens da classe AB dispõe-se a relacionamentos com mulheres das classes A, B e C (mas as mulheres apenas com homens de classe igual ou maior): havia 3 mulheres para cada homem e, com a melhora da distribuição de renda, agora há 4 mulheres para cada homem.
- As coisas pioraram para os homens da classe C: de 2,3 mulheres por homem antes para 1,85 mulheres por homem agora.
* Um exemplo da conta feita é: Mulheres/HomemAB = (MulheresAB + MulheresC)/HomensAB

A visão 3 é a mais coerente com uma falta crescente de homens no mercado nos últimos anos. Talvez os efeitos reais não sejam tão alarmantes como os números de 3 x 1 ou 4 x 1 (no mundo real as pessoas não tatuam suas classes sociais na testa). Entretanto, a tendência demonstrada é nítida.

O Cenário Negro (para as mulheres): Visão 2 + 3

Desespere-se leitora! Sorria leitor! Eu acredito que esta é a conta que deve ser feita. Somar os impactos da opção social com os da opção sexual. Dadas as intensidades dos movimentos,  a desproporção entre gays e lésbicas serviu como um catalisador do movimento social.

- Para os homens da classe AB, a proporção foi de 3,2 mulheres/homem (antes da melhora nos níveis de desigualdade social) para 4,4!
- Para os homens da classe C, de 2,5 para 2,0.
- Os homens de classe D e E sofrem nessa nossa conta: porque as mulheres a que têm acesso são também disputadas pelos homens da classe C.  Aqui a proporção é de 2 homens para cada mulher!

Um amigo meu diz que chegará o dia em que as mulheres tomarão a iniciativa muito mais do que os homens. Talvez esse dia esteja chegando...

Felipe Dex: os números não mentem (só quando corretamente torturados)! A internet, assim como o papel, aceita qualquer coisa! Ainda assim, acho os números verdadeiros, apesar de chocantes (e me diverti mais do que imaginava escrevendo post!).