sexta-feira, maio 22, 2009

The Fall of the Mighty Fed (A queda do poderoso Fed)

Todos os que tem acesso à internet neste planeta já ouviram falar da crise que está ocorrendo. Excessiva alavancagem (de bancos e consumidores), consumo desenfreado, riscos mal controlados. Apesar disto também ter ocorrido na Europa, o núcleo sem dúvida está nos Estados Unidos.

Quando a verdade foi aceita pelo consenso do mercado, ocorreu o inevitável: o sistema financeiro dos Estados Unidos caiu como um castelo de cartas. Ele inteiro teria virado pó, se não fosse por um zeloso guardião, o Federal Reserve, o Fed.

Junto com o Tesouro dos Estados Unidos, tudo o que podia ser feito para salvar o sistema financeiro e manter o Status Quo foi feito; está sendo feito. Trilhões de dólares injetados. Acionistas diluídos, mas não expulsos. Controladores repreendidos, mas mantidos em seus lugares. As cartas foram coladas com durex e o castelo não desabou. Os mercados respiraram aliviados e as bolsas subiram 20, 30% em 2 meses, aos olhos incrédulos de muitos, inclusive os meus.

Tudo aquilo não parece estar certo. É bom demais pra ser verdade. "O mercado foi puxado pelos cabelos", "os bancos americanos são zumbis", "o Fed está apagando o fogo com gasolina". Todas estas frases fazem muito mais sentido do que "a crise acabou" e "começou um novo bull market". Tenho medo, e muitos comigo, que o wishful thinking tenha predominado. Uso a expressão em inglês pois é difícil traduzí-la. Trata-se de um estado mental em que se acredita que o desejado se tornará realidade, sem perceber os obstáculos, por vezes intransponíveis, pelo caminho.

Para tirar a economia yankee do buraco o Fed está usando uma estratégia inovadora. É preciso gerar inflação, para isso, imprimir dinheiro faz sentido. Porém, normalmente, isso faz com que as taxas de juros de longo prazo subam, segurando consumo e investimentos. Com um bom background acadêmico, o Fed está imprimindo dinheiro como outros já tentaram, mas comprando os títulos de seu próprio Tesouro para impedir que as taxas de juros subam. No papel parece muito bom.

Mas alguns estranhos sinais começam a aparecer. Apesar de o Fed estar comprando os papéis, a curva de juros está abrindo. A demanda pelos títulos da maior economia do mundo parece desejar um prêmio maior para se expor ao risco soberano estadunidense. E nos dias de maior queda do mercado de ações, quando os papéis do tesouro normalmente subiam, eles começaram a cair, junto com a bolsa. Hedge Funds começam a testar posições vendidas em tais títulos (posições que ganharão dinheiro se a taxa de juros aumentar ainda mais e perderão caso contrário).

Muitos economistas e investidores passaram a acreditar que os Estados Unidos não terão escolha senão permitir que a inflação chegue a 4 ou 6% ao ano (o target do Fed é 2% a.a.), e se isso for verdade, a taxa de juros yankee não será menor que 3% ao ano. Mas isso pode se tornar muito mais que um simples play de convergência de taxas de juros...

Há um desafio aqui. O mercado acha que o Federal Reserve, o mais importante Banco Central do mundo, não é forte o suficiente para segurar as taxas de juros. E essa linha de raciocínio nos leva a um único lugar, tão conhecido por nós brasileiros (e por alguns países asiáticos): uma desvalorização grande da moeda, apelidada pelo mercado de "deval". Sim, estamos falando de um Ataque Especulativo contra o dólar.

Ao contrário do que a mídia prega por aí, Ataques Especulativos não são planejados por Le Chiffres (wikipedia) por aí, em salas escuras, nem por George Soros. São um impressionante fenômeno bottom-up.

Grandes países credores (por exemplo a China) começam a questionar se seus recursos deveriam estar concentrados nos Estados Unidos. Hedge Funds enxergam a oportunidade de captar dinheiro a 2 ou 3% ao ano por 10 anos em uma moeda sem muito potencial de apreciação e alocar esse capital, por exemplo, em títulos do Brasil (país com moeda forte e grandes reservas) a uma taxa de 10% ao ano. Ou até mesmo em coisas mais arriscadas, como a bolsa, onde esperam um ganho maior. Pequenos investidores estrangeiros ficam receosos de comprar tais títulos também. O resultado é uma pressão pela queda dos preços dos títulos do tesouro (aumento da taxa) e do próprio dólar. É contra essas forças que o Fed está lutando.

Por que isso não ocorreu no Japão? Há uma grande diferença entre Japão e Estados Unidos em suas respectivas crises: a dívida japonesa é financiada pelos próprios japoneses. Eles não vêem problema em comprar títulos de seu tesouro mesmo a taxas baixas. Suas vidas são vividas em Yens. Se as taxas de outros países são atrativas, podem alocar parte de seus recursos, por exemplo, nos Estados Unidos, quer dizer, se a moeda deles não se depreciar...

O povo estadunidense não é credor de seu governo. Na verdade graças aos pacotes, está exatamente no pé contrário, deve dinheiro ao tesouro e aos bancos que dele dependem. E os credores dos Estados Unidos são os grandes bancos centrais (China, Rússia, Japão, Brasil - sim, somos o 5ª maior BC em volume de dívida dos EUA - entre outros), além de empresas, pessoas, e até mesmo Hedge Funds por todo o mundo. E todos esses credores, neste momento, estão olhando para os grandes déficits, a impressão desenfreada de moeda e a fraqueza da maior economia do mundo e pensando se seu dinheiro está seguro lá.

E o que pode acontecer é exatamente uma corrida bancária. Se muitos investidores começarem a acreditar que o Fed terá que desvalorizar o dólar para poder quitar suas dívidas e empurrar sua economia, o segundo pensamento será: "é melhor ser o primeiro a sair!" Este é o início do Ataque Especulativo.

O Fed está em uma posição ruim. Ele não pode deixar que a taxa de juros suba, pois a situação econômica dos EUA pioraria. Ele poderia tentar, em um intervalo curto de tempo, comprar uma grande quantidade de títulos, forçando aqueles em posições vendidas a saírem delas de modo a limitar suas perdas. Mas isso afugentaria compradores, pois a taxa de tais papeís ficaria menos atrativa. Ademais, se gastar muita munição em um tiro só e errar, se as posições vendidas forem pequenas ainda, o feitiço pode se virar contra o feiticeiro, pois os compradores serão assustados e os vendedores atraídos como mariposas para a luz.

E quanto mais claro isso ficar, maior a chance de acontecer. Sim, o fenômeno é auto-catalítico, e a primeira peça do dominó parece ter sido empurrada. As conseqüências deste evento? Difíceis de imaginar, mas as poucas coisas que me passam pela cabeça não são nada agradáveis.

"Now (...) mankind stands at the shores of destiny, and awaits the coming of the Tides of Darkness" (Youtube).

Felipe Dex: apertem seus cintos e verifiquem seus pára-quedas. Podemos ter turbulência pela frente, e o avião já perdeu 2 dos 4 motores.