terça-feira, fevereiro 11, 2003

Deserto

Olho em volta e tudo é amarelo. Olho para cima e vejo apenas um azul infinito, sem nuvens. O sol agride meus olhos e minha alma. Os grãos de areia penetram cada poro do meu corpo, e, em torno deles, nos mesmos poros, ficam presas salgadas gotas de suor. Meus pés descalços afundam na areia, e queimam, e ardem. Não há como me livrar da dor. Nem do calor insuportável. Nem do líquido salgado que escorre pela minha face. Nem da secura em meus lábios. Nem da ânsia em minha garganta. Nem das tremedeiras em minhas mãos.

Quanto tempo posso viver assim? Talvez o suficiente para ver o pôr do sol, para sentir a areia finalmente fria e confortável para meus pés sofridos.

Mas a esperança é falsa. A noite não traz a água para matar minha sede. E o frio que com ela vem também queima meus pés e minha pele. O suor que molha minhas rotas vestes e antes me abafava, agora me transforma em gelo. Minha respiração é dolorida e ofegante. Apenas sei que meu nariz existe porque posso tocá-lo em meu ombro. Nem meus dedos têm sensação mais.

Mas a pior dor não é física. A morde me ronda. Posso vê-la olhando pra mim e afiando seu cajado. E ela afia apenas a ponta, pois é com ela que vai me rasgar: a dor é maior assim.

Olho para a esquerda e vejo o sol nascer. Cubro meus olhos e me jogo de joelhos no chão. Tremo de medo. Vou ser queimado por suas chamas dantescas novamente. Olho para a morte. Ela guarda seu amolador. Ergue seu cajado e encara-me. Ela então sorri. Um sorriso frio e cortante. Malicioso. Áspero.

Sorrio de volta pra ela. E ela recua ao notar minha felicidade. Meus olhos duvidam de seu recuo. Ela duvida de si mesma. Uma lágrima rola de seu olho negro. E outra. E mais uma ainda. A quarta atinge minha testa. E elas não param de cair. E são doces as lágrimas da morte. E apagam minhas queimaduras. E trazem de volta meu nariz. E molham minha boca. E me dão forças para levantar. E me levanto. Olho para a morte. Faço um sinal de agradecimento e reverência com a cabeça. Ela suspira, olha nos meus olhos, e olha para baixo, triste. Ela se ajoelha e põe a face entre as mãos. E chora.

Eu me viro para o leste, onde ainda nasce o sol. Jogo-me de joelhos no chão e choro. Choro porque, assim como a morte, tenho pena e compaixão por aquele que jaz na areia, com um braço ainda estendido, apontando para uma miragem.

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