terça-feira, novembro 26, 2002

A Vida e Eu: uma História de Amor

Ontem eu conversava com uma amiga minha, que adora surf, mas tem medo de surfar. Por algum motivo isso me trouxe de volta uma lembrança da infância, acho que eu tinha 10 ou 11 anos: o dia que perdi meu medo de escuro.

Eu tinha o que muitos categorizam, adequadamente creio eu, como medo do desconhecido. Eu sabia, conscientemente, que era uma grande bobagem, mas não conseguia superar meu medo.

Um dia tranquei-me no quarto. Apaguei a luz. Andei até a cama. Sentei. Encarei o quarto. Abri os olhos. Não podia enxergar nada! Mas era de tarde ainda, e alguns segundos depois a escuridão se tornou penumbra. Formas estranhas surgiram por todos os lados.

Vi a cabeça de um monstro na minha estante: assustadora. Corri e acendi a luz. Apenas um carrinho. Apaguei a luz de novo.
Vi um vampiro de costas no chão. Corri (desviando dele) e acendi a luz. Era minha mochila no chão o corpo do vampiro. Calças jeans jogadas suas pernas. Uma cueca branca, listrada, sobre a mochila, dava-lhe face. O resto era minha imaginação.

Me despertei então para o fato que nunca, nunca mesmo, houvera nada a temer no velho quarto, ou no velho escuro. Era apenas meu subconsciente me pregando peças, a vida toda.

Cheguei assim a uma frase (eu não sabia naquele momento, mas esse pensamento já havia sido traduzido com várias diferentes palavras por inúmeros povos): "Se não há perigo de morte, não há o que temer." Naquele dia não perdi apenas meu medo de escuro. Perdi vários outros medos que haviam me aterrorizado por anos a fio.

O desconhecido deixou de ser um inimigo e passou a simbolizar liberdade e desafio. Ele pode tornar-se o que você quiser, basta encará-lo de frente. Passou então a ser convidativo.

Se ainda tremo diante de meus medos? Mas é claro que sim. Mas sempre que acontece, procuro me lembrar daquela tarde, e do vampiro criado apenas por meu medo. E lembro-me que a única maneira de derrotar o medo é enfrentando-o. Mas medos de escuro, de água e de altura são fáceis de enfrentar. Os maiores desafios, os maiores medos, estão onde você jamais imaginaria: dentro de si mesmo. E antes de enfrentá-los de frente, você precisa entendê-los. E antes de entendê-los, você precisa entender-se.

"Conhece-te a ti mesmo."

Sócrates - Uns 3 ou 4.000 anos atrás

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